APRESENTAÇÃO
Marcos Ayala
Começo admitindo que este é um trabalho datado, uma vez que se baseia na dissertação de mestrado que defendi em 1988[1]. No entanto, mesmo já alcançando uma certa “idade”, tem atraído a atenção de algumas pessoas ao longo dos anos, inclusive recentemente. Além disso, ressurgiu nos últimos tempos o interesse pelas culturas populares tradicionais e pelas questões relacionadas à cultura negra e ao racismo. Esses dois fatores me levaram a crer que valeria a pena transformá-lo em livro.
Outro motivo para realizar esta publicação são duas características da análise realizada: em primeiro lugar, tratar as manifestações culturais populares tradicionais como cultura viva e, portanto, sujeita a transformações; em segundo lugar (e como decorrência da condição anterior), buscar compreendê-las como processo de produção, realizado no presente, por pessoas, grupos, sob determinadas condições culturais, sociais, econômicas e políticas. Para entendê-las, é fundamental compreender seu contexto de produção. Esse enfoque estava presente em outros estudos realizados na época – vários deles, realizados nas áreas de Ciências Sociais, Letras, História, são citados ao longo deste estudo.
Esta abordagem é fruto da influência de um conjunto de autores, referidos abaixo, e foi inspirada sobretudo por Oswaldo Elias Xidieh, professor com quem mantive contato a partir de 1975, somente fora das salas de aula, pois era aluno da USP e ele atuava na Faculdade de Marília, interior de são Paulo. Os ensinamentos de Xidieh foram muito marcantes não só no que diz respeito às pesquisas e análises das culturas populares, que conhecia profundamente, mas com relação a toda a minha experiência acadêmica, seja como aluno, professor, orientador ou pesquisador. Ensinamentos dados não com a pose de autoridade, mas de modo informal, despretensioso.
Tal perspectiva de análise foi muito bem caracterizada por Roger Bastide, orientador de Xidieh, ao afirmar que a cultura
[…] não pode existir sem uma estrutura que não só lhe serve de base, mas que é ainda um dos fatores de sua criação ou de sua metamorfose. O folclore não flutua no ar, só existe encarnado numa sociedade, e estudá-lo sem levar em conta essa sociedade é condenar-se a apreender-lhe apenas a superfície.[2]
Este modo de tratar as culturas em geral, e as culturas populares tradicionais em particular, continua sendo muito atual e necessário – mais um estímulo que me encorajou a realizar esta publicação.
Preferi não fazer muitas alterações no texto. Apenas uma revisão, necessária para reparar eventuais erros e adequar o trabalho às mudanças ocorridas na ortografia e nas normas a serem seguidas em publicações (nas referências bibliográficas, por exemplo), além de umas poucas mudanças de redação, para acrescentar algumas informações ou tornar o texto mais inteligível e da incorporação ao corpo da obra de trechos de notas que estavam muito extensas.
A dissertação, como disse acima, tem sido alvo da atenção de algumas pessoas, mesmo decorridos vários anos de sua defesa. Espero que o presente livro possa ter interesse para quem queira conhecer um pouco a respeito do samba lenço, da organização do grupo que realizava esta dança nas décadas de 1970 e 1980, das pessoas que então compunham este grupo, das festas e outros eventos em que a dança ocorria, ou ainda do contexto sociocultural em que estava inserida essa produção cultural.
[1] AYALA, M. O Samba-Lenço de Mauá (organização e práticas culturais de um grupo de dança religiosa. 1987. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1988.
[2] BASTIDE, Roger. Sociologia do folclore brasileiro. São Paulo, Anhambi, 1959, Introdução, p. 2.